Espírito de dono ou alma de funcionário?

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Época negócios

Pergunte a qualquer profissional de Recursos Humanos de startup qual a reclamação que ele mais escuta dos candidatos durante um recrutamento. É bem provável que a resposta seja relacionada ao excesso de entrevistas. Realmente, para conseguir uma vaga em uma empresa como esta é preciso gastar o verbo. É comum que, ao longo de 45 a 60 dias, um candidato faça seis ou sete entrevistas, qualquer que seja o cargo ou o departamento em que vai atuar.

É conversa com a área de RH, com seu futuro chefe, reunião com aqueles que serão seus pares, entrevista com pessoas de áreas que talvez você vá se relacionar muito pouco e, claro, um papo final com o fundador.

Um profissional de marketing que participou de um processo como este me perguntava por que, após ter ido três vezes à empresa, precisava voltar mais uma para falar com duas pessoas do time de engenharia – uma área com a qual ele falaria muito pouco ou nada. Depois da reunião, ficou ainda mais confuso já que a conversa foi quase toda focada em coisas que ele tinha feito fora do ambiente profissional. A sensação é de que a empresa queria conhecê-lo melhor.

E era isso mesmo. As startups entenderam que tão importante quanto saber se um candidato tem o conhecimento técnico necessário para desempenhar uma função, é conhecer qual seu momento de vida e entender se ele possui alinhamento com o propósito e a cultura da empresa.

Acredite, para startups, a parte técnica normalmente é mais fácil de se resolver. Não costuma ser tão difícil encontrar gente qualificada ou com potencial para ser desenvolvido. Agora, encontrar bons profissionais, que estejam no timing adequado e que tenham alinhamento com o propósito e a cultura corporativa é bem mais desafiador.

Se tem alguém que faz isso com maestria é a Meliuz, startup de cashback de Belo Horizonte. O segredo da empresa está um recrutamento planejado, que envolve a empresa toda e é dividido em três partes:

1. Seleção de currículos – É feita pela área de RH e tem como objetivo fazer um primeiro filtro, trazendo candidatos que tenham potencial para ocupar a posição em questão.

2. Entrevista técnica – Aqui, entra em cena a área responsável pela vaga para fazer as entrevistas técnicas e medir o conhecimento do candidato.

3. Entrevista de fit cultural – São feitas por pessoas de áreas variadas da empresa que normalmente não têm condições de avaliar tecnicamente o candidato, mas estão ali para ver se ele tem alinhamento com a cultura da Meliuz.

A novidade, claro, é a terceira parte. Para a Meliuz, ela é tão importante quanto as outras duas. Um candidato tecnicamente perfeito pode ser barrado no processo caso não tenha o tal alinhamento com os valores da empresa. Lucas Marques, COO da empresa, explica que existem técnicas para se fazer uma boa entrevista de fit cultural. A startup desenvolveu um roteiro com questões usadas para medir cada um de seus valores fundamentais.

– As perguntas não podem ser diretas em relação àquilo que você quer medir. Se você perguntar: “Você tem espírito empreendedor? ” É claro que ele vai dizer que sim, explica. Segundo Lucas, uma boa pergunta para medir esse valor seria algo como: “Qual sua maior conquista na vida? Como foi essa experiência? ”. Na resposta, o candidato deveria trazer fatos que comprovem essa atitude por meio das histórias que vai contar.

Um dos valores mais desejados por empresas Brasil afora é o tal “espírito de dono”, conceito popularizado pelo trio Ambev – Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira. Um funcionário com esta atitude é alguém que colocaria os interesses da empresa acima dos seus por saber que, quando a companhia vai bem, ele também vai.

Quem não queria ter uma pessoa assim no seu time?

Na prática, no entanto, são raras as empresas que consegue isso no seu dia a dia. O erro mais comum que tenho visto neste sentido são de companhias que tentam construir este sentimento com uma lógica exclusivamente financeira. Ou seja, acreditar que distribuir lucros ou dar aos funcionários um percentual dos negócios será suficiente. Tive um exemplo disso recentemente, quando um executivo de um grande banco de investimento estrangeiro me confessou:

– Nunca tivemos tanta dificuldade em atrair jovens talentos. Antes, o banco estalava os dedos e recebia currículos dos melhores alunos das faculdades de ponta. Hoje, a sensação é de que eles não querem mais trabalhar para nós mesmo tendo um salário acima da média e uma bonificação agressiva.

É possível que não mesmo. As grandes empresas precisam entender que os jovens não querem abrir mão de uma boa remuneração, mas também que não serão motivados exclusivamente por isso para tomarem suas decisões de carreira ou se sentirem parte de uma empresa. Precisa ter alinhamento de valores na jogada. Dinheiro sozinho não constrói espírito de dono, no máximo, cria alma de funcionário.

Como resolver esse impasse então? O que a experiência das startups vem mostrando é que, em vez tentar “inserir” seus valores na mente de um funcionário, o caminho mais fácil é identificar profissionais que já possuam valores alinhados aos seus e contratá-los. Ou seja, ninguém cria espírito de dono. Os iguais apenas se reconhecem.

Quando uma pessoa acredita naquilo que sua empresa está construindo e sente orgulho por fazer parte de algo maior, ela não mede esforços para fazer com que as coisas aconteçam. Faz tudo aquilo que lhe é pedido e muito mais e simplesmente não tolera que outros se dediquem menos. Esta pessoa economiza cada centavo do orçamento e pensa em maneira criativas de maximizar a receita. Ela trabalha duro todos os dias para garantir que a missão da empresa será cumprida. Ou seja, age como se fosse dona do negócio.

*Renato Mendes é sócio da Organica, professor de Marketing Digital do Insper e mentor Scale Up da Endeavor Brasil. Já empreendeu, ocupou posições de liderança em startups, foi advisor de fundo de venture capital, mentor e investidor dessas estrelas da nova economia.