Uma conversa com Olivier Anquier, o padeiro que mudou São Paulo

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Exame.com

Olivier Anquier vive atualmente seu melhor momento como empreendedor. À frente de três restaurantes e uma padaria, o famoso chefe de cozinha, nascido na França, mas que sem discussões, se diz brasileiro, revolucionou o conceito de panificação no Brasil e incentivou o turismo no centro de São Paulo.

Sua última aposta, o Mundo Pão de Olivier, aberto no começo deste ano, fica na Praça da República, assim como seu mais recente restaurante, inaugurado ano passado, o Esther Rooftop. Para ele, o acesso a novas apostas deve ser democrático. “Não adianta me falarem que aqui não é meu público, eu quero que essas 1,2 milhão de pessoas que passam todos os dias por essa praça tenham acesso e conheçam boas opções de comida”, conta em entrevista ao site EXAME.

Hoje, aos 57 anos, Olivier quer ainda mais. Apesar de se dividir entre os empreendimentos, a filha Olívia (de apenas seis meses) e a esposa Adriana Alves, ele revelou que virá mais um negócio promissor (provavelmente) no ano que vem. Mas manteve o suspense sobre o que vai ser. “Só posso dizer que vou ousar. A mesmice para mim não funciona”, diz o dono do bistrô L’ Entrecôte d’ Olivier, que não tem cardápio e serve apenas um prato (bife com batata frita), e da padaria que leva 72 horas para produzir os pães, por conta da técnica de fermentação adotada.

A EXAME ele traça seus passos desde quando saiu de Paris, em 1979, para se aventurar pelo Brasil, onde vive há 38 anos. Divide a nova fase com a padaria e o restaurante rooftop, além de expor os motivos de sua saída da GNT, após 19 anos apresentando o programa “Diário de Olivier”.

Como sua paixão pelo Brasil aconteceu?

Quando tinha 20 anos eu conheci um brasileiro, carioca, que revolucionou a noite parisiense. Suas ideias me encantaram e durante as minhas férias decidi que passaria um mês no Rio de Janeiro. Eu me apaixonei e fiquei por três meses. Quando percebi que era aqui que eu gostaria de construir uma vida fui atrás de um amigo, para resolver três problemas que me impediriam de permanecer: eu ficaria ilegal em poucos meses, não falava uma palavra de português e não tinha uma profissão.

Ele me ajudou a resolver todas as questões, principalmente com o emprego. Fui apresentado a um fotógrafo de moda, que fazia vários editoriais para marcas reconhecidas mundialmente. O melhor dessa profissão era que não precisava falar. Comecei então a ser modelo. E algo que eu pensava que faria de forma temporária, eu gostei e fiquei por 4 anos, até voltar para a França.

Mas por que você voltou?

Bom, primeiro que esses quatro anos foram muito importantes para entender minhas expectativas. A vida em São Paulo definiu para sempre a certeza de que eu queria viver aqui: o jeito de enxergar a vida do paulistano e de se relacionar calorosamente era completamente distante da realidade de relacionamento que eu tinha aprendido ao longo dos meus 20 primeiros anos.

Mas antes de me estabelecer definitivamente aqui, eu precisava saber se a profissão de modelo tinha condição de ter a mesma força internacional que teve no Brasil. Por isso voltei a Paris, a capital mundial da moda. O segundo motivo foi porque, de uma certa forma, eu queria contar minhas aventuras aqui, a meus amigos e família de lá, a história maravilhosa que vivi.

E deu certo?

Até 1989, sim. Mas, assim que eu voltei a Paris, eu percebi que uma hora eu teria que parar de ser modelo. Eu já tinha feito tudo que dava para fazer. Por isso, paralelamente, eu aproveitei o dinheiro que ganhava com os ensaios e montei uma oficina de restauração de carros antigos, na periferia parisiense. Viajava o mundo garimpando carros antigos, reformando e revendendo.

Essa foi sua primeira aposta empreendedora?

Foi a minha primeira aposta e minha primeira decepção também. Em janeiro de 1989, a bolsa de Nova York sofreu uma crise, que fez que tudo que era arte e coleção desabar de valor. E eu com meus carros, dancei bonito. Decidi então vender minhas ações para meu sócio, peguei uma passagem e voltei para o Brasil.

Você voltou com algum plano?

Voltei com aquilo que todo gringo sonha quando vem morar no Brasil: montar uma pousada em algum lugar do litoral brasileiro. Viajei por todo o litoral nordestino em três meses e meio buscando uma colher de chá de paraíso que eu faria minha pousada. Foi quando eu conheci Jericoacoara, no Ceará. Era uma vila de pescador, onde não tinha absolutamente nada (nem energia elétrica). Comprei um pedaço de terra totalmente decidido a construir a pousada. Mas, claro, nada é tão simples. Nesse momento, me deparei com um grande dilema: para construir qualquer coisa que fosse naquele lugar inabitado até então era preciso atravessar um deserto com os materiais de construção.

Mudei de planos e, já intoxicado pela veia empreendedora e observadora, abri meu primeiro restaurante no Brasil, que literalmente foi a minha escola, já que eu era o cozinheiro e os únicos turistas que iam para lá eram jovens estrangeiros, muito tolerantes.

Mas de onde veio essa ideia?

Sim, eu sei que parece estranho esse salto, já que até então eu não tinha tido absolutamente nenhum contato profissional com a cozinha. Mas, agora entra a parte mais interessante: isso é paixão de família. Uma parte da família da minha mãe é de padeiro. Eu sou a terceira geração. Minha mãe tem uma padaria até hoje em Sidney.

Já do lado do meu pai, apesar de serem todos médicos, eles têm uma filosofia de vida, que é de procurar sempre os prazeres e as emoções que todos os momentos da culinária proporcionam. Dividem esses momentos em três pilares: o prazer da boca, o de proporcionar prazer aos outros e o simbolismo da mesa (a união, o diálogos, os valores). Nós adquirimos essa intimidade com a cozinha de casa onde tudo acontecia, as alegrias e tristezas também. Nesses anos todos de convivência, eu descobri a magia de cozinhar.

Claro que as técnicas de se ter um restaurante eu não dominava, mas quando você sabe cozinhar, não adianta: você se diferencia e consegue aprender (se for dedicado) a levantar um restaurante.

E por que lá não deu certo?

A minha veia de empreendedor faz eu me adaptar à realidade e dar consistência aos desafios que eu próprio me imponho. Mas quando você vive em um lugar isolado é preciso de um respiro de metrópole. Por isso, uma vez por ano vinha a São Paulo. Em uma dessas vindas conheci a minha primeira mulher, a Débora Bloch.

Começamos a namorar, mas a distância entre nós era muito sofrida, por isso decidi fechar o restaurante e voltar para uma cidade grande. Como ela já morava e trabalhava no Rio de Janeiro, foi lá que me instalei. Mas mais uma vez, me vi sem emprego. Decidi que então montaria uma empresa de parapente, já que no Rio esse esporte vai muito bem. Fiquei nisso por dois anos, mas sempre com o desejo de voltar a trabalhar com restaurantes.

Como isso voltou a acontecer?

Um dia a Débora foi para Florianópolis e voltou encantada. Decidida de que seria lá que eu montaria meu próximo restaurante. Acreditei nela e fui conhecer. Não deu outra, em poucos meses já encontrei uma casa de pescador na margem da lagoa da Conceição e abri o Malako. Foi maravilhoso, mas durou só duas temporadas, porque no meio disso descobri que teria meu primeiro filho.

Nesse momento fiquei desarmado: até então eu só tinha vivido para mim mesmo, com meus projetos. Eu tinha a oportunidade de errar ainda. Neste momento para frente isso acabou. Agora eu viveria para meus filhos. Comecei a refletir sobre minhas experiências de vida até então: quantos anos eu estava no Brasil e não tinha nada muito concreto. Eu queria acrescentar algo no Brasil, que ainda não existia.

Então tive um insght: eu vou montar a primeira padaria francesa de São Paulo. Sabia que aqui só se conhecia um tipo de pão francês, que na verdade era o português que fazia. A minha mãe fez isso na Austrália, então fui até lá para aprender tudo em um mês sobre a logística e o funcionamento de uma padaria.

Por que você teve a ideia da padaria só nessa fase?

Eu poderia ter tido essa urgência de fazer isso lá em 1979, quando vim a primeira vez ao Brasil. Mas aí posso dizer que foi um grande ensinamento: é preciso se adaptar a outra cultura, entender e observar o universo em que a gente se encontra para um negócio dar certo. O francês tem a mania de achar que sabe tudo e pensar que a França é o mundo inteiro, mas não é assim. É preciso, antes de tudo, entender qual é o gosto do brasileiro. Foi mais ou menos isso que fiz.

Para se ter uma ideia, eu já estava no Rio com a Débora, mas vim para São Paulo pesquisar tudo que precisaria para montar uma padaria de peso. Pedi ao sindicato dos padeiros uma lista com todos os moinhos de farinha do Brasil. Eu sabia que, se queria fazer algo aqui, eu deveria usar produtos nacionais. Tirar esse estigma de que no Brasil não tem nada de bom. Foi preciso garimpar muito. Mas achei.

Voltei para o Rio de Janeiro ciente de que ainda precisaria de muito estudo para deixar perfeito. Pedia amostras de farinhas do país todo e de toda manhã eu fazia pães diferentes e distribuía na portaria do prédio em que morávamos. Aquilo foi essencial. Uma porque peguei mais prática com a produção de pães e dois porque eu entendi exatamente o gosto do brasileiro para a padaria: enquanto na França se come a casca e joga fora o miolo, no Brasil é ao contrário.

Diversas vezes os meus vizinhos falavam que aquilo que eu tinha feito era horrível e duro. Então adaptei minhas receitas ao consumidor brasileiro. Se eu não tivesse feito isso teria sido um fracasso. Chamo essa atitude de estratégia e inteligência. Depois de seis meses, em 1995, abri minha primeira padaria no Brasil. Era no Rio de Janeiro, mas confesso que lá foi impossível trabalhar. As circunstâncias da vida fez com que migrássemos para São Paulo. Alugamos um apartamento, por tempo temporário, mas aqui as coisas acontecem. Por mais sem dinheiro que eu estava na época, sabia que conseguiria montar uma padaria.

E foi um sucesso?

Eu queria fazer uma padaria em algum lugar que remetesse a Paris, então procurei uma casa em Higienópolis, que naquela época não era nada parecido com o que é hoje. A casa que aluguei, por um valor irrisório, era atrás do cemitério da Consolação, onde o comércio não existia. Ali, eu montei a padaria que mudou toda a história da panificação brasileira. Eu mostrei que dava para ter um negócio chamado padaria, onde se vende apenas pães. Os padeiros não acreditavam que eu poderia ter apenas um produto (com suas variáveis).

Inicialmente, as pessoas me achavam louco. Eles diziam: “não tem mão de obra qualificada”. Exatamente, não tinha mesmo. Mas eu sabia que eu poderia dar respeito e entregar sabedoria a qualquer um que quisesse aprender. Então, eu ensinei meus funcionários. Aliás, eles são os mesmos até hoje.

A padaria virou um grande sucesso. Mas um detalhe fundamental desse período, que me beneficiou bastante, foi o plano real. Nesse período a classe média brasileira efetivamente desabrochou, começou a viajar e a pedir negócios inovadores no país. Além disso, o casamento com a Débora, claro, me fez mais conhecido. As pessoas tinham curiosidade de conhecer “o marido da atriz que é padeiro”. Isso favoreceu bastante e eu atrai a curiosidade dos jornalistas. Ganhei pelo surpreendente da proposta. Se, hoje em dia, a pessoa vai à padaria como um programa, tem uma alma que eu implantei no Brasil. Foi assim que começou a minha saga. Eu sou um provocador. Sou pioneiro em tudo que faço até hoje, inclusive nos meus programas de TV.

Você se considera o pioneiro desse modelo de programa de culinária que mistura histórias e viagens?

Em 1996, fui convidado pela Record para fazer o programa “Forno, fogão e companhia”. Um clássico: cenário chapado, três câmeras, bancada discreta e o pinguim em cima da geladeira. Eu não queria isso, era chato. Para mim era preciso contar uma história e não ficar cozinhando sem substância humana. Decidi que faria do meu jeito então. Quatro meses depois quando eu sai da Record a audiência estava um sucesso. Quando você recheia tudo o que faz, as pessoas de identificam. Usei essa oportunidade, onde não recebia nenhum salário, para aprender tudo sobre televisão. Estava no lucro.

Em 1997, próximo da Copa do Mundo (sim, aquela fatídica, em que o Brasil perdeu para França na final), a TV Globo me convidou para ter um programa em que apresentaria a minha França. Programa que colocaríamos antes dos jornais e dos jogos. Achei sensacional a proposta, mas eles queriam que eu fosse uma silhueta e isso não funciona comigo. Então, eu decidi que apresentaria meu país, mas escolheria o meu próprio diretor e iria fazer do meu jeito. Ou era assim ou não faria. Eles toparam fazer um episódio piloto. Em uma semana gravamos dez pilotos. Voltei, assinei contrato e todos os dez foram para o ar.

Esse programa foi um estouro para mim. Eu me tornei “o francês”. Até os bordões que eu usava as pessoas começaram a reproduzir. Foi um sucesso. Quando voltei para o Brasil sabia que queria continuar com a televisão. Então criei o Diário de Olivier, bati na porta da GNT e ofereci o programa. Fiquei por 19 anos.

Qual foi o motivo da sua saída?

Chega. Não cansei de televisão, mas cansei das pessoas. Nesses anos, muita coisa mudou. E agora eu vou deixar para outros fazerem isso, como o Rodrigo Hilbert. Temos diversos programas como o meu hoje em dia. Além disso, estou com a padaria, com o rooftop, uma filha recém nascida e outros planos.

Sobre seus novos negócios: por que você escolheu o centro para construí-los?

Eu escolhi montar meus negócios no centro de São Paulo porque sou urbano e para mim, aqui, é onde se enxerga a realidade do país. As pessoas que passam diariamente por aqui me enriquecem. Mas esse é um pensamento meu. A maior parte daqueles que podem escolher onde morar preferem as áreas mais nobres.

E por que rooftop? Por conta da tendência?

Imagina. Lá foi meu primeiro apartamento que comprei em São Paulo. Certa vez. o prédio ficou infestado de infiltração e eu precisei comprar um novo apartamento, do outro lado da Praça da República. Quando ali em cima ficou pronto, eu e a Adriana nos casamos e depois montei o restaurante.